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O espírito da coisa

Uma casa bem decorada, seja lá em qual estilo for, precisa ter composições esteticamente bem resolvidas

Quem me conhece sabe que sou capaz de ficar horas trocando objetos de lugar na tentativa de obter a composição mais bela, que desafie meus sentidos, que me cause uma deliciosa emoção. Não deixa de ser uma forma de expressão. Esse trabalho é conhecido como decoração e organização de superfície.

Uma casa bem decorada, seja lá em qual estilo for, precisa ter composições esteticamente bem resolvidas.

Muitas vezes, vejo casas com uma grande quantidade de objetos belíssimos, mas que quase, ou nunca, são notados, em função da falta de preocupação com o equilíbrio visual. Não raro, encontram-se amontoados, transmitindo sensações desagradáveis, caóticas, de saturação e muita informação.

Em outros casos, ao contrário, percebo que objetos, nem tão belos assim, isoladamente, são capazes de formar composições únicas, poéticas, repleta de significados, capazes de proporcionar um enorme prazer de contemplação.
Como explicar?

Uma série de fenômenos de natureza ótica, psicológica e vivencial entram neste caldeirão. A parte ótica aqui está ligada a estética. Objetos são cores, formas e volumes. Cada um possui uma identidade. Por exemplo, ao ser posto em cima de um móvel ou numa parede, o adorno necessita de espaço vazio ao seu redor para ser notado, ou de algum contraste com outro objeto quando expostos juntos. Outro fator é o equilíbrio de cores e formas, a harmonia. Também há de ter uma certa dose de simetria, mesmo que a ideia seja transmitir uma composição final assimétrica. Pode parecer confuso, mas não é. A simetria necessária pode ser imperceptível. É bem parecido com a composição de quadros na parede.

Já os fatores de natureza vivencial estão relacionados com a personalidade de quem faz a composição: cultura, elementos históricos, objetos afetivos, lembranças de viagens e uma série de outros componentes subjetivos.

Os objetos podem ser lindos se olhados isoladamente, mas sua beleza não é garantida na comunicação com outros, no conjunto.

Segundo o filósofo Jean Baudrillard (em O Sistema dos Objetos) depois de consumidos, eles adquirem vida própria, uma vida simbólica, que vai além da intenção do designer. Isso ocorre porque os objetos existem na inter-relação com os outros elementos de um ambiente. É nesse caráter simbólico que o objeto transcende ao aspecto puramente funcional e ganha a função de signo.

É importante deixar claro, que ele se referia ao estágio pós-industrial, à era contemporânea. Antes disso, vivemos um período modernista, em que o ideal, amplamente divulgado pela Bauhaus, era o de que o objeto tivesse apenas uma atribuição funcional, uma perfeita correspondência entre forma e função. Eram idealizados para serem produzidos em série, com preços acessíveis à população em geral. Para Baudrillard, o homem não se sente em casa no meio puramente funcional. Este é um dos motivos do resgate atual de objetos antigos que contradizem o raciocínio funcional para cumprirem um propósito de outra ordem: a sobrevivência do tradicional e do simbólico através do testemunho, da lembrança, da nostalgia e da evasão.

Os objetos dispostos num ambiente passam a ter uma linguagem própria porque, dependendo do local em que se encontram, em cada arranjo, adquirem significados diferentes.

Percebo também que, nesse exercício de tirar e botar os objetos de lugar, numa espécie de experimentalismo, na verdade, sempre estou na busca de mim mesma. Os objetos em geral atuam como um espelho que emitem imagens por nós desejadas.

Assim, como uma personalização, eles manifestam uma alma que garante uma integração recíproca entre objeto e pessoa.

*Veronica Fraga: jornalista, fotógrafa, decoradora e organizadora de interiores



Por Tribelas

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